A cantora Beth Carvalho parece que está curtindo a idéia de freqüentar o universo das polêmicas. Depois de brigar por um lugar numa das alegorias da Mangueira no carnaval deste ano. Desta vez, ela "causou" no livro sobre Clara Nunes. Leia abaixo o texto de Milton Cunha:
"Meu amor, deu babado! O tempo fechou no lançamento do livro Clara Nunes, Guerreira da Utopia, do jornalista Vagner Fernandes, no Programa Sem Censura, anteontem à tarde. Leda Nagle ia começar a entrevista, quando Alcione, engasgada, prestes a ter um troço, desabafou o que não podia mais ser guardado: “preciso defender Clara, que está morta e não pode contar como foi. Mas eu estou vivíssima e posso garantir: ô Bete Carvalho, tá na hora de você usar uma pulserinha de desconfiômetro, pois não é verdade o que você declara no livro, de que a Clara se apoderou do estilo que foi criado para você. Não é verdade que os vestidos brancos e o cabelo vermelho, era um visual para você Bete, e que ela roubou. Vai dormir com um barulho deste! Eu estava lá, acompanhei tudo isto, e Clara já usava este visual muito antes de você”. Como é de costume, para uma das mortas mais vivas do Brasil, referência de estilo, maravilha de carreira e inesquecível no coração de tantos fãs, a deusa dor Orixás estava lá, fazendo a terra tremer, marcando presença mesmo sem corpo presente. Outra coisa eu não esperava de Clara, só isto: ser o olho do furacão. O autor me explica a importância do grande radialista Adelzon Alves na vida de Clara, a estruturação da carreira, as apresentações para o mundo do samba, a incorporação do visual afro; mas o que me intriga e seduz, o que eu queria ter vivido, o que eu queria ter participado, era dos bastidores da vida artística tendo estas três estrelas, de igual porte, carisma e glamour, nos tempos de juventude, belíssimas, transitando de um lado para o outro, como se fosse muito normal ter três cantoras do quilate de Alcione, Bete e Clara, da mesma idade e mais ou menos da mesma proposta artística, flanando pelos programas e teatros da vida. Na verdade, elas reencarnam o mito das três mulheres de Xangô: a coquete, jovem e enfeitadíssima Oxum, cujos dourados nos enlouquecem; a decidida, guerreira e tempestuosa Yansã, cujo grená é impossível não ver; e a sábia, experiente e cautelosa Obá, cuja história de vida a credencia à passos mais certos, o que muito nos seduz. Três Deusas, três firmamentos e o Xangô que o destino as deu: a canção, a carreira artística, o público, o estrelato, o brilho da ribalta, o samba, o Brasil. Claro que sai briga. Claro que dá babado: imagina se três mulheres poderosíssimas não iriam se enquizilar umas com as outras, se isto seria um mar calmo? Bobabgem, é maremoto, é tsunami, e só nos resta aplaudir o legado de uma, e a fulgurante magnitude das duas sambistas que estão aí, lindas, louras e japonesas. Três brasileiras bacanérrimas, três vaidades, duas versões do mesmo fato. Portanto, às favas com a realidade, imprima-se a lenda, divulgue-se o mito. Marlene e Emilinha estão de volta, com a força do espontâneo, pois não agüentamos mais este mundo pré-fabricado de cantoras que não fedem nem cheiram, um mundo branquelo, anoréxico, que parece prestes a desfalecer. Sugiro que dêem caldo de mocotó para estas novas meninas que cantam, engordem as gazelas, para que a verdade que sobra nestas duas senhoras as contaminem. Salve Clementina, salve Elizete, salve Dalva, salve Jovelina, salve Ivone Lara, salve as empregadas domésticas que cantam com o pano de chão, salve as perucas de canecalon, salve as fofoqueiras das portas dos cortiços, que aumentam mas não inventam. Admiráveis mulheres que preparam o melhor feijão, só melhor, porque acompanhado de disse-me-disse, de roda de samba em volta do fogo."